As oito horas da manhã, sentou-se meio esbaforida numa das muitas cadeiras.
Pôs-se a esperar. Passaram-se cinco, dez, vinte, trinta minutos. Uma hora,
duas... Veio a sede, a fome, a vontade de ir ao banheiro.
A cada atendimento,
uma pessoa se levantava da grande sequência de cadeiras interligadas; passando a ser a última em pé na fila linear até o primeiro guichê de triagem. E cada indivíduo que ainda
ocupava as cadeiras anteriores mudava-se para o próximo assento (parecendo uma brincadeira de levanta e senta). O que trazia à memória algumas maneiras antigas de colocar pessoas nos seus “devidos lugares”. Lembrando-os de quem eram e como deveriam se comportar. Pois, se alguém ali estivesse lendo um livro,
uma revista. Ou mesmo concentrado em alguma ideia; seria interrompido tantas vezes, ate desistir; obrigando-o a deixar a mente apenas a vagar ao sabor do momento. (Esse tipo de fila pode ser muito útil ao sistema,
mas não faz nenhum bem à dignidade humana).
Continuando, a mulher negra tentou se distrair: olhava ora para a rua, ora
para o interior, contava quantas pessoas havia na fila à sua frente. Procurava calcular mais ou
menos de quanto em quanto tempo alguém ficava de pé, saindo do último assento.
Observando aqui e acolá, percebeu meio surpresa, que ela era a única pessoa negra aguardando atendimento. Achou
estranho, mas logo lembrou-se de que a cidade era grande, aquela era uma região central.
E que havia vários locais de atendimento em regiões periféricas. Onde,
provavelmente haveria muitos negros e pardos nas filas.
Lembrou-se do marido internado, seu coração acelerou!
Pensou na cirurgia, ficou assustada. Mas, procurou acalmar-se em seguida, tudo daria
certo!
Concentrou suas energias no momento.
O tempo? Continuou passando... nove horas, dez horas... A fome aumentava! Pensou em sair, respirar ar fresco, comer alguma coisa ali por perto e voltar. Mas, e se perdesse o lugar, a oportunidade, o atendimento? Não, não sairia! Seu corpo era disciplinado, aguentaria. Ela ficaria até o fim!
As onze horas e dezesseis minutos, ela se levantou da cadeira final, passando a ser a última (pessoa em pé) na fila. Ufa! Finalmente, logo chegaria sua vez! Contou quantas pessoas havia em sua frente, recontou, fez uns cálculos rápidos. Entendeu que em vinte minutos, mais
ou menos, seria atendida. Mas, e se esse lugar fechar para almoço? Perguntou
para alguém que também não soube a resposta. Resignou-se em só esperar
e ser otimista.
Finalmente, só duas pessoas na sua frente! Mentalmente,
repassou o que havia de dizer e os documentos a serem entregues.
A mulher negra, não se sabe por que, teve intuição de que
algo aconteceria pondo em risco seu atendimento. Será que a atendente (que me receber) ) vai ser chamada para
resolver um problema complicado? Daqueles que a pessoa vai pra lá, vem pra cá,
imprime papel, fala com um, fala com outro, telefona. Volta pra lá... E o
problema parece não ter solução nunca!
Mas, finalmente, chegou a sua vez!
Frente a frente com a atendente,
mulher branca, já de certa idade, esbelta, usando óculos. A qual olhou bem nos olhos da mulher negra,
como quem discerne algo, ou avalia uma situação.
Perguntou do que ela precisava, conferiu
alguns dados no computador. (O que encheu a mulher negra da esperança de
que tudo sairia bem). Então, a atendente disse-lhe que se dirigisse ao guichê número 21. (Saindo daquele primeiro local de atendimento, havia um salão amplo com muitos guichês numerados, onde se efetivava a solução buscada).
Nesse momento, algo que lhe pareceu incomum aconteceu: A
mesma atendente que a recebera na fila de triagem;
encerrou seu expediente ali mesmo, na sua frente. E se dirigiu para o mesmo guichê
número 21 que fora indicado à mulher negra. A
atendente abriu uma cancela, passando para a parte interna do guichê, sentou-se atrás do balcão numa cadeira giratória. Colocou os pés
sobre o balcão. Disse à mulher negra que esperasse; pois ela daria um
telefonema para resolver problema urgente.
Ligou o celular e começou a conversar com quem, pelo assunto, parecia ser uma filha. Aquele
bate-papo entre pessoas íntimas no qual, um assunto puxa outro, o outro puxa
outro e parece não ter fim...
A mulher negra, consciente de que precisava daquele
atendimento; decidiu que mais uns dez ou quinze minutos, não seria muito mais do que
já havia esperado. Resignou-se novamente!
Mas, não foi assim.. A atendente,
cruzava, descruzava as pernas. Se envolvia mais e mais no bate-papo gostoso. A conversa
estava animada, dava para ouvir perfeitamente o que ela falava. Eram
trivialidades que se conversam apenas para prolongar o prazer de estar em contato com familiares amados.
A mulher negra estava inquieta, já com dor de cabeça (fome), dor
na coluna e nas pernas. Estava se sentindo muito desconfortável.
De repente,
ocorreu-lhe uma ideia: Que tal, pegar o celular e tirar uma foto da
atendente? (Pensou, repensou... mas,
se tal ato fosse usado contra ela, contra seu esposo e viesse a prejudicá-los?)
Esperou, mais um pouco...
Finalmente, sacou o celular da bolsa, bateu uma, duas fotos! (Flash automático)!
A atendente desligou o telefone imediatamente. Perguntou por que
ela havia batido a foto. A mulher negra respondeu que só queria registrar o
atendimento. A atendente que parecia
muito assustada, fez o procedimento de que a mulher negra necessitava em menos de
dois minutos!
A mulher negra, agradeceu gentilmente e saiu dali para
continuar sua luta!
Abençoado celular!
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